terça-feira, 10 de maio de 2011

CARTA PARA KÁTIA

Benjamin Batista, filho
                                                                            (Tio Euzinho)
  
Quando eu tinha 11 anos, num distante 31 de julho, no meio de todo dengo, caçula, carinhosamente chamado por ela de “meu Eskundunga”, perdi de vista minha mãezinha querida, meu anjo bom, cujo rosto, cujo afeto, cujo carinho, nunca esqueci, mesmo considerando o pouco tempo de convivência. Sei que também os meus 9 irmãos (na época) nunca a esqueceram. Dois deles, já partiram: Waltinho, seu tio, e, Olga, sua mamãe querida, amada tanto quanto a minha; nas fotos que envio anexas, veja só o brilho dos olhos de ambas, tão parecidas, filha e mãe, hoje encantadas, viraram estrelas e mistério, pois a vida e a morte são dois lados de u’a mesma moeda e só Deus nos consola para entendermos ou aceitarmos a fragilidade que nos rodeia e a esperança que nos anima...
Em maio do ano seguinte, quase um ano depois da viagem de minha Mãe Menininha para o infinito, eu com 12 anos incompletos, pois sou de 18 de junho, passei meu primeiro Dia das Mães sem ver, sem abraçar, sem beijar, aquela que me estimulava a cantar (lembro que ela tocava bem o violão) a declamar poesias e pedia a todos que batessem palmas para mim quando eu subia num monte de areia que havia próximo à mangueira (árvore / irmã ainda viva, que ela plantou há mais de 70 anos no casarão da Rua da Igreja, lá nos sertões de Euclides da Cunha). Na plateia, dentre outros irmãos e irmãs (e vizinhas amigas) lá estava sua mamãe Olga, mais conhecida no meio familiar – com o nome de Dodó e na hora de nossas arrelias (e também de afeto) Carrá, porque ela, quando chorava, começava como se fosse um pássaro: ca-rrá... ca-rrá... ca-rrá...


Uma vez, Kátia, eu cursava o primário – como se dizia naquele tempo – e a professora Antonieta Xavier (que um dia me salvou a vida) me ensinou um poema para eu declamar no sagrado Dia das Mães. Decorei-o, todo compenetrado, declamei-o em frente aos meus colegas e professores no Grupo Escolar ali na chamada Rua dos Ricos. Lembro que o início era assim:

   “Mãe, primeiro monossílabo que pronunciei e aprendi 
     com gosto de esperança e sal...”
 
Nesse dia, ela já havia morrido. Embora a poesia falasse de u’a mãe que partira, mencionava as virtudes especiais que só as mulheres mães possuem e do “amor que exalam como se fossem flores para alegrar nossas vidas” e eu fiquei empolgado, esqueci totalmente que ela já havia partido e depois da festa escolar, entrei correndo casa a dentro (como fazia sempre em outros eventos similares que nós chamávamos efemérides – cuja palavra eu achava linda mas nem sabia o que era) para abraçá-la na cozinha e... meu Deus, minha mãezinha querida não estava lá. Aí eu senti a maior tristeza que até então eu sentira no curto e frágil tempo dos meus 12 anos. Então, meu papai saudoso, em prantos, abraçou-me e consolou o menino poeta – que, por um momento, parecia ter perdido a noção da realidade, pois desde o ano passado sua musa inspiradora já havia partido quando viajou para Feira de Santana fazer uma cirurgia de hérnia e nunca mais voltou...
Só agora sei, tanto tempo depois, que quando na despedida (era uma caminhonete com uma espécie da cama dentro, não se poderia chamar aquilo de ambulância) ela olhou um por um dos filhos presentes e, corajosa, nos beijou com olhar de santa e deixou escapar uma lágrima doce quando fitou mais a mim e a sua tia Maurinha (minha Vavá, companheira nº 1 dos meus folguedos e pintanças que não eram poucos) provavelmente por sermos os mais frágeis (na verdade, todos estávamos fragilizados – e nem sequer sabíamos que era sua última viagem).
Todos a amávamos, todavia quem mais não entendeu nem aceitou de início a perda, foi nossa Dodozinha querida, que acordou e sacudiu escandalosamente toda a cidade, para dizer aos quatro cantos que havíamos perdido nosso tesouro.
E que tesouro, Kátia! Tão amorosa, bonita, inteligente, alegre, cheia de criatividade para colocar apelido nas pessoas e para contar piadas. Disputávamos quem deveria levar sua cadeira macia para ela ir rezar na Igreja Velha (de 1730 +/-), pois ela era devota do Coração de Jesus ou Filhas de Maria e eu sei, Katinha, que quando ela, contrita, rezava, era “uma santa ouvindo o que a outra santa dizia”, como eu já vi escrito num outro belo poema antigo. 
Portanto, querida, mando-lhe esta carta que hoje chamamos de e-mail, para lhe servir de consolo e a todos filhos, netos e netas de sua mama querida, pois ela herdou e usufruiu a vida inteira nos 70 anos que nos enriqueceu a todos, as mesmas características que sua avó Menininha, viveu, sobretudo na alegria e no ensinamento de sermos, os irmãos, amigos uns dos outros, cujo exemplo raro, é percebido,  até nos dias atuais, nas irmãs que sobreviveram, uma vez que nunca vi tanto carinho e cumplicidade em nenhuma família, como vejo entre as irmãs (que tanto lhe amam e aos seus irmãos): Mariazinha, Rosália, Nair e Maura.
E como dói a saudade que temos de Olga!
Na verdade, ainda não chorei todas as lágrimas, igualzinho ao caso do nosso querido Júnior, filho de Nair, tantas vezes amada. Toda vez que vejo Nair, enxergo Júnior nos olhos dela. E choro, porque aprendi desde cedo (no susto dos 11 anos!) o significado das palavras amor e saudade.
Neste Dia das Mães, o primeiro sem vê-la fisicamente, sinta quanto ela vive no seu coração e na alma de todos seus irmãos e irmãs queridos. Converse com Deus e agradeça por ter vivido mais de 30 anos junto daquela que tanto lhe amou e imagine o quanto foi duro para ela quando perdeu sua avozinha que você nem conheceu, considerando que nós éramos tão jovens e inocentes, mas fomos amados bastante por nossos pais que nos deram o impulso afetivo necessário para viver e entender os mistérios que nos rodeiam. E de que nesta vida tudo é relativo e que SÓ DEUS É GRANDE.
De minha parte, quando perdi minha mãezinha na ingenuidade da minha adolescência (e creio que na parte dos meus irmãos e irmãs) busquei lenitivo nos braços da Mãe Divina – melhor remédio para todas as circunstâncias, que de tudo sabe e que em tudo É, como nos ensinaram Jesus Cristo, os santos e sábios de todas as épocas e religiões, para mim em especial, o mestre Paramahansa Yogananda – que lhe sugeri leitura e entendimento dos seus ensinamentos. Leu o livro que comprou na Saraiva do Shopping Barra?
Por tudo, Deus seja louvado!
Não sei como terei coragem de ir, como espero, a Euclides da Cunha no São João e, em lá chegando, não rever nossa querida Dodó. Minha sorte é que, enquanto viver, ela continuará viva no meu coração.
Num outro São João, recordo, Waltinho já adoentado, pediu a Nieta para ir ao forró de Zezé e Mariazinha. Não posso esquecer quando ele ao entrar no carro, já enfraquecido, olhou para todos nós, tirou o chapéu, deu um sorriso, um adeus e... era seu último São João... Também guardo na alma o último aniversário de Olga no ano passado e a magia que ela fez para reunir tantos parentes e amigos muitos dos quais não víamos há mais de 30 anos. Também era uma despedida e nós não sabíamos...
Só nos resta orar, somos frágeis no aspecto físico, mas somos fortes e eternos na essência espiritual. Passamos, mas não morremos. Só o amor pode nos dar a solução, amparados nos braços da fé e feliz é quem a tem, preserva, divide e divulga.
Peço que repasse esta carta para seus irmãos e irmãs (não tenho o e-mail de todos) e para outros parentes e amigos, para que, juntos, neste dia consagrado às Mães (que bom que inventaram este dia!) como presente a Olga, ofereçamos muitas orações e num feixe de luz, Deus e Olga nos abençoem e que tenhamos força para aceitar todas essas coisas que fogem à nossa compreensão. Se no céu tivesse e-mail eu gostaria de mandar este direto para ela. Isto eu não sei. E que estas fotos sirvam de conforto, pois tudo é passageiro nesta vida e precisamos viver cada minuto como se fosse a eternidade. De queda em queda a gente aprende a se levantar e a seguir adiante. Para onde a até quando, ninguém sabe.

Beijos e até breve.

Com amor, sempre, Tio Euzinho

Salvador (BA), 05/05/2011

Em tempo: acessem www.yogananda-srf.org e ouçam em SSA a rádio FM 106,1 (Dom Avelar), músicas clássicas compostas na Terra e que são certamente ouvidas no Céu.

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