sexta-feira, 13 de maio de 2011

MÁRIO VARGAS LLOSA E A LITERATURA LATINO AMERICANA



A literatura latino-americana ficou famosa durante os anos sessenta, quando o Realismo Mágico de autores como o colombiano Gabriel García Márquez (1928) e o peruano Mario Vargas Llosa (1936) publicaram os seus livros mais conhecidos. Cem Anos de Solidão, de Márquez, publicado em 1967, ficou mundialmente famoso e foi traduzido em vários idiomas. Como reconhecimento de sua obra, ele ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1982 e ainda é um escritor muito popular. Após García Márquez, a chilena Isabel Allende continuou a tradição do realismo mágico, com A Casa dos Espíritos, cuja trama se passa durante os anos do governo de Salvador Allende, pai da escritora (1970-1973), no período imediatamente anterior ao regime ditatorial, implantado no Chile por Augusto Pinochet, sucessor de Salvador Allende.
Antes de Márquez, Vargas Llosa e Isabel Allende, Gabriela Mistral e Pablo Neruda, dois poetas chilenos, foram também laureados com o Prêmio Nobel de Literatura e que, por isso, tornaram-se mundialmente famosos.
Também nós, brasileiros, tivemos, nesse período, um escritor brilhante, conhecido do mesmo modo em todo o mundo, por sinal, baiano: Jorge Amado. Mas, nem com ele, nem com outro qualquer seu contemporâneo, pudemos desfrutar desse orgulho, de termos um escritor brasileiro com esse galardão. Por isso, temos de nos contentar com os irmãos vizinhos, poetas, contistas e romancistas de primeira grandeza, cujas obras são conhecidas e elogiadas no mundo inteiro.
Dentre todos esses escritores citados, um, especialmente, tem algo a ver conosco. Refiro-me ao peruano Mário Vargas Llosa, que foi agraciado, no ano passado (2010) com o Prêmio Nobel de Literatura.
Mas, afinal, quem é Mário Vargas Llosa? Ele é um desses seres humanos predestinados, porque nascido em Arequipa, no Peru, país pobre do continente sul-americano, aprendeu as primeiras letras em outro país mais pobre ainda, a Bolívia, como aluno do Colégio de La Salle, na cidade de Cochabamba, quando tinha apenas cinco anos de idade. Para Vargas Llosa, esse acontecimento é considerado como o mais importante de toda a sua vida, porque, a partir de então, pôde traduzir as palavras dos livros em imagens. Eis aí, materializado, o poder e a magia do saber.
Com 10 anos, mudou-se para Lima e, em seu país, Vargas Llosa teve, ao lado da família, e principalmente da mãe, separada do marido com apenas cinco meses de casada, uma vida plena de amor e proteção, e recebia dos mais próximos todo o estímulo para superar as primeiras dificuldades. Como ele mesmo diz, graças a sua mãe, à própria teimosia e também à sorte, ele conseguiu dedicar grande parte do seu tempo a essa paixão, que se transformou em verdadeiro vício, que é a arte de escrever. É óbvio que, para tanto, teve de ler e ler muito os grandes autores. Isso é quase uma rotina na vido dos escritores, sejam eles famosos ou não. Impossível aprender a escrever sem ler obsessivamente. Só assim, vivendo em um país com escassos leitores e tantos pobres, analfabetos e excluídos, onde a cultura sempre foi privilégio de poucos, pôde alcançar o cimo da glória.
Do mesmo modo que tantos outros idealistas do seu tempo, ele abraçou o marxismo, como filosofia política e econômica, nos tempos revolucionários dos anos sessenta, quando para a maioria dos jovens estudantes e dos intelectuais de todo o mundo, como o nosso Jorge Amado, o comunismo era apresentado como a solução de todos os problemas da humanidade. Mas é curioso, também, que depois de conhecer melhor os métodos usados nos países onde o comunismo fora implantado, após revoluções sangrentas, a supressão da liberdade tenha levado Mário Vargas Llosa a bandear-se para o liberalismo, transformando-se em um dos poucos intelectuais renomados em um convicto liberal, e por isso mesmo, muito criticado. Como tal, chegou mesmo a disputar uma eleição presidencial no seu país, quando foi derrotado por Alberto Fujimore, que veio a se tornar em mais um ditador latino americano, envolvido em atos de tortura e corrupção, exatamente o que combatia Llosa, o candidato derrotado.
Vargas Llosa, cuja obra critica a realidade opressiva em seu país e a hierarquia de castas sociais e raciais, vigente ainda hoje, segundo o escritor, no Peru e na América Latina, tem como principal tema a luta pela liberdade individual. Não é à toa, que neste exato momento, quando o Peru está às vésperas de mais uma eleição presidencial, em que disputam um admirador de Hugo Chaves e a filha do mesmo Fujimore, condenado e preso, o escritor chegou a afirmar, quase no desespero, que o seu país optou entre o Câncer e a Aids.
Esta é a missão do intelectual, como somos nós, componentes da Academia de Cultura da Bahia: denunciar e jamais ser condescendente com os déspotas.
Desiludido e correndo o risco de perder a cidadania peruana, Vargas Llosa exilou-se, voluntariamente, na Espanha, país que o acolheu, deu-lhe a cidadania e projetou o escritor para o mundo, publicando as suas obras. Muitos dos seus escritos são autobiográficos, como A cidade e os cachorros (1963), A Casa Verde" (1966) e "Tia Júlia e o Escrevinhador"(1977).
Desde então, sem renunciar a cidadania peruana e amando a Espanha, sua segunda pátria, tornou-se um cidadão do mundo, tendo vivido em Nova York, Londres, Paris e outros centros intelectuais importantes, ministrando aulas em Universidades, escrevendo para jornais e fazendo palestras para as platéias mais exigentes.
Mário Vargas Llosa, ao referir-se carinhosamente à sua segunda esposa, Patrícia Llosa, com quem é casado há mais 45 anos, porque já divorciado da primeira, nos revela um retrato perfeito da sua própria personalidade e do seu comportamento, quando diz: “Ela faz tudo e faz tudo bem. Resolve os problemas, administra as finanças, põe ordem no caos, mantém na linha jornalistas e intrusos, organiza o meu tempo, decide encontros e viagens, faz e desfaz malas e é tão generosa que, até quando acha que me repreende, me faz o maior dos elogios: Mário, você só serve para escrever”.
Mas não podemos encerrar este singelo trabalho, sem fazermos referência ao vínculo de Vargas Llosa com o Brasil, especialmente com a Bahia. Impressionado com a leitura de os Sertões, a obra magistral de Euclides da Cunha, Llosa decidiu, do mesmo modo, escrever um livro sobre o episódio de Canudos. Depois de visitar o sertão da Bahia e ouvir o relato de descendentes de jagunços e estudiosos do drama vivido por Antônio Conselheiro e seus seguidores, que culminou com a destruição do Belo Monte, o gênio de Vargas Llosa nos premiou com o fascinante livro A Guerra do Fim do Mundo, dedicado a Euclides da Cunha, levando os mais diversos povos, através da leitura, a conhecerem a saga de Antônio Conselheiro.
A ele somos gratos por isso, e por isso nos jubilamos com a sua grande conquista no campo literário, ao ser laureado com o troféu maior da intelectualidade.

Eldon Canário

Salvador, 06.05.2011.

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